domingo, 14 de março de 2010

A DOUTRINA PODE SER LIDA EM DOIS SENTIDOS


A doutrina do eterno retorno pode ser lida em dois sentidos fundamentais, segundo uma dimensão antropológica – moral e uma dimensão cosmológica – ontológica. Vista do lado antropológico – moral, assiste-se ao jogo da vontade humana, que ao acolher o eterno retorno se torna capaz de afirmar a realidade tal como é, afirmando-se a si mesma. Será no fundo, a fase do leão, que detém a vontade de transmutar todos os valores, superando o homem e dando lugar ao super-homem.

Do lado cosmológico – ontológico, está em jogo à constituição do ser e do tempo – ou do tempo de ser - que permita o sim absoluto à realidade e não apenas a vontade do sim, ou mesmo o sim da vontade, o que seria demasiado humano. Esta dimensão seria representada pela metáfora da criança, que aceita o jogo do ser, inocentemente, no seu devir eterno sem nada querer, já que o querer se identifica com o que é. Próprias do homem criador, que assume o eterno retorno; e uma necessidade determinista, marcada pelo constante regresso do mesmo. Na Gaia Ciência diz Nietzsche que esta vida, tal como a vivemos atualmente, teremos de vivê-la inúmeras vezes mais, nela nada haverá de novo.

A sabedoria acerca do mistério do tempo é dada a Zaratustra apenas no momento em que este é capaz de compreender o eterno retorno como modo diferente de dizer e afirmar o caráter seletivo do ser; no momento da sua convalescença, que lhe permite compreender que o eterno-retorno, não é um ciclo fechado e nada tem a ver com a predominarão do mesmo.

A realidade seletiva do eterno retorno apresenta-se numa dupla dimensão: como lei constitutiva da autonomia da vontade, que se quer ver livre da moral - tudo aquilo que se quer deve ser querido de maneira a que esse mesmo querer se queira também o seu eterno retorno -. Ao considerar-se a seletividade, pressupõe-se que retorna apenas, o que puder ser afirmado; tudo aquilo que é negativo, tudo o que deve ser negado, é expulso pelo movimento do eterno retorno. Este movimento de características centrifugadoras, expele para fora de si, tudo o que não interessa.

O problema da moral em Nietzsche é o problema da verdade, ou seja, a conformidade da nossa avaliação com a vontade de poder, que é a própria essência da vida e, por isso, constitui a razão última de todos os valores. Nietzsche considera que não há outros valores senão os que a vida estabelece o que já de si é sempre uma manifestação da vontade de poder. No pensamento tradicional, o ser e o devir opõem-se, mas Nietzsche nega a existência de um cosmos feito de realidades espirituais e eternas, considera que não há “ser” para além do espaço e do tempo; o existente é o mundo da experiência sensível, que se mostra no horizonte próprio do espaço e do tempo. Este mundo é único, real e vivo e não conhece nada de constante e imóvel ou fundamental, que tem como princípio organizador a vontade de poder que é movimento, tempo e devir.

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